Eduardo Miranda

poesia

Home
poesia
contos
novela
algo de quase
Extraído do livro Quase, editado pela Casa Pyndahýba - São Paulo, 1998  

noites, idéias, invernos e palavras
nadas mostrados como devem ser

engrandecer
noite

se já não posso ser único
lúdico poço derrama água lenta

tormenta
noite

sereno mais que cortante
tocante mais que normal

musical
noite

mostra-te! insustentável ser indiferente
simplesmente afável, e me move

renove
noite

e te conheço cedo criança
esperança-berço ser berlinda

entrevinda
noite

e se não sou constante
dissonante alma me comporta

suporta
noite

tarde percebe lua astuta
conduta fiel, razão sufoca

coca
noite

crer ou não, palavras tuas
nuas nuanças de nulidade

saudade
noite

preserva o teu tom escuro
puro céu cor de blue

azul
noite

antes de dizer ao que vim
a mim deves distrair

mentir
noite

e já cansado de palavras minhas
daninhas constelações te ofereço

despeço
noite

te quero, mas de ti me livro
livro grosso que não termina

menina
noite.


corpo,

só.

sem lágrima de corpo morto,
sem pétalas murchas resistentes ao tempo.
deitamos o leito,

sós.

enrijeço minha voz, você se abre,
até que finde a noite estarás disposta a ouvir.
nada tenho a dizer.

sóis.

nascente & brilhante volto pra casa sem assunto,
carne podre & conhaque.
acordo ao meu lado e você não está.

sósia.


tantos ouvidos eu precisaria
para te calar
poucas bocas você precisou
para me fazer ouvir
tantas idéias eu preciso
para te explicar
poucas armas você precisará
para me morrer


quais palavras ainda podem
como palavras viger?

abre-te boca.
levanta-te ser.

uma vez que não são poucas
cedo vêm deperecer.

fala-te boca.
mostra-te ser.

se nem lutar já se pode
contra isso a carcomer.

berra-te boca.
escancara-te ser.

o que resta ainda
se o grito asila poder?

cala-te boca.
enterra-te ser.


ainda hontem
ao meio-dia
(ou menos)
me senti moderno
como nunca antes me sentira.
ainda hontem
ao meio-dia
(ou mais)
me senti danado de aflição
e amanhã ainda é sábado.
tal sofrimento que passou
(e passa) anônimo,
ninguém pode acudir.
entra ano sai ano…
é este o teu futuro
anunciado para ninguém.
mas não há de ser nada, não,
oje é somente cem anos atrás.
amanhã, oje será hontem
e veremos que o futuro
que se anunciou calado não é este:
já passou ou ainda está por vir.


segunda.
uma rosa parece tenebrosa
neste jardim.

já cedo me perdi...
ônibus, livros, notícias que não li
garotas bonitas e seus pobres cabelos molhados
& caras amassadas (o que será no almoço?)
cartão de ponto e início de semana...
o mesmo alvoroço.

uma garoa chora lá fora - chegou minha vez...
rápido! a máscara! a máscara!
não quero pecar outra vez!

tenho os pés cravados no cimento,
e afundo: "ao fundo... ao fundo...
sumam com ele,
não vale a pena este tormento!"

mas é apenas o começo, nada acaba tão cedo.
nem sempre podemos respeitar as horas marcadas
desprezos & foras carregados involuntariamente
túmulo de luz em epitáfios inundados...
dentro estarão os olhares de compreensão.


terça.
terceira vez que te ligo de imaginação
procurando embaixo das mesas
algum recado: perdoares cristalinos,
gotas de lágrimas e de verdades,
anônimas, sulfurosas, desinfetadas. nada.

mas hoje notas musicais tomarão conta
de meus pensamentos,
x menos do coração, que cutuca, cutuca,
  k feito batuta astuta:
     w                                          q        g         q         q
B
um, dois, três, quatro, um, dois, três, quatro,
h                  h
um, dois, 3, 4...
} %
    S

5.000 vezes não!                                            P
um dia eu vou te ver          U
longe de olhares felinos...            ? ===
e ainda assim será de verdade        ;
como sempre foi.   V                        'Z                          K


quarta.
sessões de cinema espaciais no centro da cidade:
pipocas & chocolates. beijos antes e depois.
escurinho de lanternas sem destino,
batons & chicle...
quem falar de serviço paga um bombom!

chá mate com leite, liquidação de livros, cigarros
(cóf! cóf! cóf!)...
desaparecem as fumaças no frio da noite
assim como nós.

a gente se abraça,
divide nosso calor.
ônibus & ombros & sonos
o caminho pra casa, a pé.

em busca de risadas livres
ainda somos diferentes dois.


quinta.
vem chegando vem chegando
hoje dá 7 mas não chega 5.
(minto minto minto)
adoro mentir e estilhaçar lógicas
ou me calar. vou me calar agora!

música de lius, ou
prelúdio invertebrado
do mais puro aço
coroadas & inexplicadas
vago silêncio-pausa acorrentado
duro traço desesculachado
de todo queromais.

espero te ver não te vejo

beijo......
tchau............


sexta.
alucinações perturbam
o que você pensa sente vê.
culturas do corpo ali
cervejas & aguardentes & nicotinas aqui
vez ou outra a gente quebra a rotina.

coragem! coragem!
baixe a guarda & a arma...
moleques & molecas sujos suados sarnentos
colados em sacos plásticos (entendo...)
o luxo está em baixa (loucura...)
umedecendo nossos olhos pequenos.

icebergs fantasiados
para uma manhã de verão carioca...
nada convencional, nada mal...
o que vou mal?


sábado.
tarde sufocada em fina lágrima
transparente, inexistente.
telefonema compromete
vontade cheia de banho de sol.

mas hoje é mais foi mais será mais...
chapéu largo e preto (presente dela)
tranças de ouro e brincos de petróleo:
não deixe naufragar nosso barco!

casacos redondos e risonhos
filmes sem contos...
não importa se deitado sentado ou em pé
duchas & hidromassagens
teu corpo nu sempre virgem
para que meus pecados possam te satisfazer.

não exijas nada que também não desejo
sejamos imperfeitos
e nossas adorações ainda serão únicas...


domingo.
lençóis suados e despertares de perder a hora -
mas nunca haverão horas a perder.
silêncioso sol de fogo assoalha
meu quarto instante.

programas infantis, famílias não me quero
tudo só calmante (a granel) para o jogo.

almoço lá em casa, chama o pessoal
a gente tenta se divertir.
depois cinema cerveja & pastel
(e ainda assim as fadas estarão em seus ninhos)

os finais sempre os mesmos
missas que não freqüento
(não suporto civilização)
e você foi embora
esquecendo de levar meu coração.




poesia, literarura & afins